Wednesday, December 13, 2006

Escolhas, caminhos, subidas

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Christiani Rodrigues

Lá estava a menina cheia de dons parada no tempo, ao pé da montanha, sentada num banquinho em ruínas, construído por algum ser vivente do século passado. Havia um jardim desabitado por flores, onde os passarinhos não eram bem vindos, por isso a primavera não gostava de passar por ali.

Uma espécie de musgo verde-escuro cobria o chão. No ar um cheiro de folhagens embaraçadas de eucalipto e mato molhado. A umidade se encontrava por todos os cantinhos porque a montanha impedia que o sol iluminasse com a sua graça. Faltava a luz.

No jardim quase mal assobrado e isento de brilho, bem no centro, tinha uma árvore, única, podada com excelência pelo homem meio centenário que a servia devotadamente. Os frutos eram diferentes, pareciam folhas de jornal de quinze anos atrás. Os moradores das redondezas disseram que o local pertencera a um barão muito famoso, que morreu pobre.

O homem meio centenário cuidava religiosamente da árvore do jardim sem sol. Ele não gostava muito de ouvir ninguém, às vezes balbuciava algumas palavras, e o som que lhe apetecia era apenas o barulho do pic da tesoura. E a menina cheia de dons tentava lhe fazer companhia.

Nunca se vira copa de árvore tão perfeita. Cada folhinha nascida que comprometesse seu formato era imediatamente eliminada. A menina cheia de dons falava, falava, mas não era ouvida. Dias e dias se passavam e a seqüência das imagens não mudava. O homem meio centenário cuidando de sua árvore perfeita e a menina cheia de dons sentada no banco de cimento antigo, observando o círculo que se formava no chão pelas pegadas do homem em torno da árvore. Nada acontecia às margens da montanha.

Até que um dia a mãe da menina cheia de dons a chamou à vida novamente:

- Ei, menina, vamos subir à montanha. Disseram-me que lá em cima tem um jardim melhor que esse aí. Os pássaros e as flores moram lá e o sol se aquece todos os dias porque há uma luz maior que a dele. Fiquei sabendo as crianças brincam e os adultos se alegram, conversando entre si. Tem um rio que sorri por ser tão claro e os animais selvagens mudaram a dieta e ainda foram domesticados. Vamos até lá. Quem chega é saudade com um abraço e um bem vindo. Te faço companhia na subida, o que acha?

A menina cheia de dons suspirou fundo, desistiu do futuro que no fundo nunca aceitara e foi.

As duas subiram pelo caminho que serpenteava a montanha. A jovem ainda olhou uma última vez para o homem meio centenário, que podava a copa perfeita da árvore, mas optou por não enterrar seus talentos no jardim quase morto, sem vida. Ali a semente que morresse jamais germinaria novamente. Seus dons seriam enterrados sem chances de sobrevida e ela sabia disso.

Pelo que se sabe, aquelas duas nunca mais desceram. Foi o que contaram, porque não havia necessidade de coisa alguma lá em cima. Receberam também um novo nome e passaram a se alimentar de uma outra espécie de árvore, que tinha por nome Vida e que produzia doze frutos a cada doze meses. As nações da terra usavam as folhas verdes da Vida como remédio e unguento para curar os males de seus filhos.

O que aconteceu ao homem meio centenário!? Boatos dizem que morreu sem ter ninguém pra conversar, já algumas pessoas falaram que foi comprar uma tesoura nova porque a antiga perdeu o fio. Outros disseram que, mais tarde, resolveu subir pelo caminho da menina cheia de dons, procurando alguém para compartilhar a sua solidão e ali também encontrou vida em abundância. Mas isto ninguém confirmou.

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2 Comments:

Blogger Ana said...

Que texto lindo... Feliz de quem não perde a oportunidade de subir pela trilha que leva à verdadeira vida. Ou, ainda, feliz daqueles que têm alguém para lhes conduzir pelas mãos e lhe mostrar um novo e possível caminho.
Abração, Chris!

7:10 AM  
Blogger Marcelo said...

Emocionate esse conto.
Vi em você a menina cheia de dons...
E me alegrei com o que li aqui.
Parabéns por sua sensibilidade inerente.

Beijos, menininha.

11:18 AM  

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